Carolina Loff, a militante esquecida do PCP

Há muito, muito tempo, que não trago aqui ao blogue a rubrica “Elas, as que fizeram a diferença”. Para este regresso poderia trazer-vos uma infinidade de mulheres de quem vos quero falar mas, tendo em conta a data – 25 de abril – e a ideia da liberdade que esta data nos traz, escolhi falar-vos de uma mulher, de seu nome Carolina, que conheci há relativamente pouco tempo, mas que deve ser conhecida e relembrada.

Carolina Loff

A Carolina de quem hoje vos venho falar, de nome completo: Carolina Loff da Fonseca, nasceu a 12 de novembro de 1911, na Praia (Cabo Verde), numa família abastada. Virá para Portugal com 15 anos, com a mãe, passando a viver em Lisboa. Desde cedo se mostrou detentora de um pensamento moderno , apresentando uma preocupação social acentuada. Integrou, desde muito jovem, as células comunistas como dirigente da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas.

Carolina foi, de facto,  uma das primeiras jovens comunistas portuguesas, uma destacada militante e dirigente do Partido Comunista Português, com uma enorme capacidade de trabalho e de provocar a agitação.  Ela era autora de manifestos (muitos dos artigos de imprensa comunista juvenil do início dos anos 30, são da sua autoria) ela imprimia panfletos, ela colocava bandeiras vermelhas, ela participava em todas as reuniões.

Tendo em conta as atividades a que se dedicava, o que veio a suceder era expectável. Carolina foi presa, uma primeira vez, a 6 de setembro de 1932, enquanto colava propaganda. Encontrava-se, nessa altura, grávida do seu companheiro Carlos Matoso. Passou pela Cadeia das Mónicas, onde esteve presa durante um ano, mas, ainda assim, a sua filha Helena virá a nascer, em 1933, numa maternidade. Quanto ao pai da criança, esse, não terá chegado a conhecer a filha. Sabe-se que foi julgado, condenado a 10 anos de degredo, passou pela Cadeia do Aljube, Forte de Caxias e Peniche, tendo sido enviado, em seguida para o Campo de Concentração do Tarrafal. Solto em dezembro de 45, terá emigrado para o Brasil, onde se suicidou pouco tempo depois, em condições misteriosas.

Em março de 1935, Carolina recebe um convite para estudar na Escola Leninista, na União Soviética. Seguirá para lá, com a bebé, sob o pseudónimo de Ana Marta. Trabalhará lá, também, como intérprete e tradutora de edições em língua estrangeira cujo destino era o Brasil. Será na União Soviética que Carolina irá lidar com nomes importantes da Internacional Comunista.

Em 1936, Carolina, ou melhor, Ana Marta, será enviada para Espanha com a finalidade de montar uma emissora clandestina (a rádio do PCP). Pretendia-se que ela denunciasse o apoio do governo aos revoltosos espanhóis. Carolina fazia praticamente tudo sozinha: era locutora e era ela quem redigia grande parte do material transmitido. Lidava diretamente com os membros mais importantes do Partido Comunista Espanhol e intervinha junto da comunidade portuguesa exilada em Espanha. Nessa época usava um passaporte belga e atendia pelo nome de Berthe Mouchet.

Em 1938 integrará a direção da União Antifascista dos Portugueses Residentes em Espanha e o Comité da Frente Popular em Barcelona. Ficou em Espanha até terminar a Guerra Civil. Com a queda dos republicanos, será presa, pelos franquistas, na sede do Partido Comunista de Espanha em Valência. Identificar-se-á como jornalista belga. Não revelou a sua identidade nem sob tortura. Será “devolvida”, pela polícia espanhola, a Portugal, em outubro de 1939. Foi libertada na fronteira portuguesa sem que a Policia do Estado fosse avisada. Não sendo presa neste seu regresso ao país, voltou à luta politica. Viveu de um modo clandestino, desta feita atendendo pelo nome de Maria Luísa. Mantinha uma estreita relação com Álvaro Cunhal, no Secretariado, e contribuiu para a redação de documentos sobre a política internacional do movimento comunista, intervindo, simultaneamente, na sua distribuição.

Toda esta atividade levará a que volte a ser presa em maio de 1940, juntamente com Álvaro Cunhal.

Aqui chegados presumo que já se terão questionado sobre o porquê do nome de Carolina Loff, o nome de uma mulher com uma historia de vida tão interventiva na vida política, nos parecer tão pouco ouvido e conhecido. A razão, aparentemente, prende-se com o sucedido após esse segundo encarceramento. Na prisão, aconteceu algo totalmente inesperado. Carolina Loff, a destemida militante comunista, apaixonou-se por um agente da PIDE, de seu nome, Júlio Almeida, com quem, depois de sair da prisão, foi viver. O seu comportamento na prisão, as suspeitas de espionagem que pairavam sobre ela e o seu relacionamento com um PIDE levaram a que Carolina Loff fosse expulsa do Partido Comunista e o seu nome praticamente apagado da memória coletiva. E foi assim que aquela que chegou a ser apelidada de “a noiva de Cunhal” caiu no esquecimento de grande parte do povo português.

Não podemos negar que Carolina Loff foi uma mulher diferente e que merece ser relembrada. Era dona de uma energia inesgotável e de uma vontade férrea. A Polícia do Estado considerava-a perigosíssima. Apresenta um percurso de vida como poucas na história poderão apresentar. Para além da sua faceta indómita e corajosa para defender aquilo em que acreditava, teve, ainda, a capacidade de se apaixonar pelo homem menos recomendável para ela e para a sua vida (um PIDE) e assumir esse amor e essa relação. A juntar a estas facetas acrescenta-se a sua recusa em esclarecer episódios da sua vida em que todos procuravam entender, não se mostrando incomodada com a expulsão do partido para o qual tanto trabalhou.

Viveu uma vida longa,  depois de todos estes acontecimentos. Faleceu em 1999, com 87 anos. Diz-se que se afastou da política ativa mas que nunca deixou de contribuir para as causas antifascistas, inclusive para o Partido Comunista. Hoje, dia 25 de abril, pareceu-me ser um excelente dia para relembrar esta “ela” que teve a coragem de ser e de fazer diferente.

Beijos, abraços e french kisses

Hoje é Dia Mundial do Beijo. Há tantos dias mundiais, porque não haver, também, um dia dedicado ao beijo? O facto é que existir uma data para celebrar um dia leva-nos a pensar sobre esse dia e o seu significado. Por isso, depois de analisar a questão, digo, de forma lapidar:

– Não gosto muito de beijos!

Mas, por outro lado, poderei dizer:

 -Sou uma beijoqueira nata!

Então, em que é que ficamos, para além de deixar a ideia de que sou uma perfeita antítese?

Passo a explicar: Não gosto de beijos de circunstância. Aborrecem-me de morte. Haverá necessidade de cumprimentar com dois beijos aqueles amigos que vemos todos os dias??? Pior! Eu conheço pessoas, e tenho amigos, que se cumprimentam quando se vêm e cumprimentam-se quando se vão embora! Mesmo que, entre uma coisa e outra tenha mediado pouco mais do que uma hora! Haverá necessidade disto??? E há gente bem pior (como se isso fosse possível!)! Eu tenho familiares que te cumprimentam não com dois mas com quatro (sim, leram bem!) quatro beijos!!! É tanto virar a cara, estalar os lábios, virar a cara, estalar os lábios que quase fico com tonturas depois de cumprimentar um primo! Imaginem quando vem o casal!!! 10 minutos são usados apenas para beijos!

Convenhamos!!! Beijo é uma coisa íntima! É uma coisa para ser dada a quem nos é muito próximo!! Existirá coisa pior que acabar de conhecer uma pessoa e cravar-lhe logo dois beijos na bochecha?? Não seria bem mais simpático, e bem menos pessoal (afinal, acabámos de conhecer a pessoa!) dar-lhe um passou-bem? Sinceramente, sentir-me-ia bem mais confortável nesse papel. Facto é que, entre homens e mulheres esse comportamento até é aceite. Conhece, estende a mão, dá um vigoroso passou-bem e por aí nos ficamos, sem maiores intimidades. Já entre senhoras, esse comportamento é pouco usual. Acabou de conhecer e lá vem o beijo! E que incomodativo que ele pode ser! Há senhoras que usam uma camada tão grande de base que quando as cumprimentamos quase ficamos coladas a elas! Resistimos à tentação de esfregar a cara como fazíamos em crianças quando o beijo era mais húmido e nos deixava a bochecha molhada (berk!) E no verão? Haverá algum gosto em cumprimentar um rosto todo transpirado? Mais uma vez aquela sensação de bochecha húmida tão horrenda! Dirão, e com razão, que há muita gente que transpira das mãos. E que dar um passou-bem a uma mão transpirada também não é muito agradável. E é verdade! Mas entre a mão molhada de transpiração e a bochecha…eu escolho a mão!!! 

A juntar a isto tudo, existe ainda a forma como se dá um beijo. Já que têm que cumprimentar com um beijo, façam-no de forma simpática e sentida! Detesto aquelas pessoas que apenas estendem a cara, em total silêncio. Beijo de cumprimento obriga a um estalar dos lábios. Aquelas pessoas que se limitam a dar a cara de um lado e outro fazem-me sentir esse hábito como ainda mais desinteressante e incomodativo!

Mas… e há sempre um más… toda esta teoria cai por terra quando gosto muito das pessoas. Aí sou uma beijoqueira nata! Adoro aqueles beijinhos leves espalhados pelo corpo da pessoa amada. Adoro um beijo a sério, o famoso “french kiss” (acho o nome lindo!) que usas para explicar ao outro o quanto ele é especial para ti, o quanto gostas dele. Adoro o beijo inesperado usado para recordar à nossa companhia que estamos ali, ainda que estejamos ocupados a ver um filme ou a ler… Adoro o ligeiro tocar de lábios apenas porque passaste pela pessoa que amas. E aí, assumo, que nunca pensei “que horror, esta cara transpirada!”. Para quem gosto e amo não poupo nos beijos. Espalho-os, quais borboletas, leves mas cheios de sentido. Talvez seja por isso que não gosto tanto de dar beijos como um hábito social que nos incutiram. Esses beijos são, no geral, insípidos, são apenas e só um gesto formal, que nos obriga a uma intimidade que, a mim, não me apetece ter.

O beijo deveria estar na mesma categoria do abraço! Desses sim, eu gosto muito. E uso e abuso deles. Mas…com as pessoas que merecem os meus abraços: os amigos a sério; a família de quem gosto muito; a pessoa amada, claro. Um abraço tem sempre uma carga grande de sentimentos. Os nossos braços envolvem a pessoa, numa comunhão de corações e almas, embalando sentimentos. Quem não aprecia aquela sensação de abraço apertado, tão apertado que quase sentimos uma costela a deslocar? As boas energias fluem entre os dois corpos abraçados. É um momento de total entrega. Haverá algo de mais bonito? Definitivamente, sou pelo abraço!

Por norma, abraçamos aqueles que nos são muito próximos e muito queridos. Porque não fazemos o mesmo com o beijo? O beijo dado socialmente, em forma de cumprimento, não representa nada. É frio. É apenas isso: uma forma de cumprimentar. Por mim, passava bem sem ele. E elevava o beijo à categoria do abraço. Lindo mas reservado a alguns poucos…

Bem vindo, lápis azul!

Uma crónica que aborda o surgimento de uma nova censura com a desculpa de sermos e usarmos uma linguagem mais politicamente correta!..

Deixem a vossa opinião!

Temos assistido, ultimamente, àquilo que considero ser um ataque aos livros e à palavra escrita e, pode-se dizê-lo, à arte em geral . Anda aí toda uma vontade de reler livros que contam já com uma veneranda idade e analisá-los, com muito cuidado, para os expurgar de toda e qualquer palavra e/ ou personagem que possa ferir a nossa suscetibilidade de leitores.

É verdade! Numa fúria de tornar tudo o que foi escrito anteriormente mais adequado aos nossos tempos e menos ofensivo paras as mentes ultrassensíveis , relê-se e analisa-se com todo o cuidado todo e qualquer autor. É preciso riscar as palavras feias e os sentimentos disformes! As crianças, os jovens, e até os adultos não podem lidar com obras tal como elas foram escritas há 40, 50 anos porque elas têm palavras desadequadas aos nossos dias, têm personagens com nomes e comportamentos inaceitáveis! Todos sabemos que a realidade não tem palavras feias, desadequadas, não tem personagens racistas ou homofóbicas! (Cito a título de exemplo).

Um caso flagrante desta fúria de revisão é o das obras de Roald Dahl, nas quais destaco o famoso “Charlie e a Fábrica de Chocolate”. As obras vão ser revistas e modificadas para expurgar delas qualquer sinal de linguagem ofensiva. Palavras como “Gordo” e “Feio” deixam de poder ser usadas. São ofensivas. Os “pequenos homens” passaram a ser “pequenas pessoas” (consideraram este ser um termo mais neutro!) Fala-se em centenas de alterações ao texto original! Será que reconheceremos a escrita do autor depois de tudo isto?

 Mas a vontade de “reescrever” livros não se fica pelas obras de Roald Dahl! Vai daí, o lápis azul recaiu, vejam só, sobre Enid Blyton. Sim, aquela senhora que escreveu os livros que mais li na minha infância e que, acredito, foram lidos por grande parte daqueles que foram crianças nos anos 80 (e anos seguintes) viu o seu trabalho ser descrito como “racista, sexista e homofóbico”. E a verdade é que algumas destas críticas poderiam estar corretas se as obras tivessem sido escritas em 2023. Mas estamos a falar de livros que começaram a ser escritos na década de 40! Em vez de esconder as versões originais, como tem acontecido, não seria mais correto fazer essa mesma ressalva? É claro que o pensamento, a forma de encarar certos temas, a própria sociedade, era diferente. Como poderia não ser?

Mas os exemplos de obras “revisitadas” multiplicam-se! Os livros do famoso agente 007 também estão a ser revistos para retirar deles referências que são, hoje em dia, consideradas racistas e ofensivas. Obras de Agatha Christie estão a sofrer o mesmo tratamento. E a loucura deste novo lápis azul já chegou tão longe que até umas histórias do Tio Patinhas clássicas vão ser censuradas porque contêm personagens racistas. E poderia continuar esta lista por muitas e muitas linhas…

A minha proposta é que, para além dessa revisão, se crie mesmo uma lista de livros proibidos, que se juntem numa praça e se queimem, perante a satisfação das mentes ultrassensíveis!!

Sabem o que vos digo? Não há paciência para tanta sensibilidade. Não podemos olhar para qualquer obra que tenha sido escrita num passado mais ou menos remoto e observá-la com os olhos minuciosos da atualidade. As obras de qualquer autor são marcadas pelo pensamento da época. Elas servem como provas da nossa história. São provas daquilo que se passou, da forma de pensar de uma sociedade e da própria mentalidade vigente na época. Servem, muitas vezes, como exemplo de que de facto, evoluímos . O passado existe, com todos os seus erros e a verdade é que não é possível reescrevê-lo. Podemos, sim, aprender com ele, analisá-lo e não deixar que os mesmos erros se voltem a repetir. E que fazemos com os livros?  Uma coisa é certa: eles não devem ser reescritos! Eles são frutos de determinado contexto social e histórico e, como tal, aquilo que está escrito foi escrito com naturalidade para a época. Basta ter isso em mente, ou explicá-lo aos que são mais novos. 

Há que dizê-lo sem medos: todas estas alterações mais não são do que o renascimento do famoso lápis azul. Tudo o que não está conforme com a forma de pensar, com a norma vigente, é riscado, escondido, alterado. Podemos usar formas mais suaves de o dizer, afirmando que procuramos agir de um modo politicamente correto mas, na minha perceção das coisas, todas estas atitudes mais não são do que comportamentos de censura.

E isto tudo para quê? Para que não se firam suscetibilidades! E assim acreditamos que vivemos num mundo em que a censura existe mas apenas por um bom princípio! Por isso gritamos, com alegria: “Bem vindo de volta, lápis azul!”