Silêncio que se vai cantar o fado!…

Gosto de fado. Assumo que não é um estilo de música que ouça diariamente mas gosto de, por vezes, ouvir no carro os nossos de sempre –  Amália, Carlos do Carmo – e gosto de ouvir os mais novos, Camané, Mariza, Carminho, para citar apenas alguns nomes.

Para além do carro, gosto, e se calhar será o  sítio  onde mais gosto de o ouvir, de presenciar noites de fados em casas de fado ou em salas escolhidas para o efeito.

Gosto da ideia que se tem de uma casa de fado: um local bem decorado tendo em conta o tema – o Fado –, onde podemos petiscar ou jantar enquanto assistimos a um espetáculo com um ou mais fadistas. Adoro quando os petiscos oferecidos são bem “nossos” como sejam um belo enchido assado (morcelas, farinheira, chouriça), umas ameijoas à bulhão pato, uns ovos verdes ou uns ovos mexidos com espargos. Tudo isto regado com um bom vinho tinto! E se me oferecerem um caldinho verde também fico do mais satisfeita.

 Concluindo: com um ambiente circundante simpático, com uma comida que muito me agrada, com um bom vinho e boa música, temos reunidos os ingredientes necessários para ter uma boa noite!

Mas…há sempre um “más”, não é verdade? Mas nem tudo me agrada nas casas de fado. Há pormenores, se é que lhes posso chamar assim, que me causam uma ligeira urticária, uma ligeira irritação, no início, e que despertam a criança desafiadora que existe em mim, ao fim de algum tempo, levando-me ao ponto de ter vontade de gritar.

Vamos lá falar, não do que gosto – que é opinião, penso eu, consensual – mas daquilo que não gosto.

Aquilo que me irrita, sobretudo, nas casas de fado é a atitude um nadica pretensiosa que se sente por parte de algumas pessoas que assistem ao espetáculo. Aquelas pessoas que seguem escrupulosamente (e exigem que se siga) um monte de regras que todos devemos conhecer e que deveriam ser lidas à entrada de cada Casa de Fado, para todos saberem ao que vão.

Todos sabemos que o silêncio deve imperar quando se canta um fado. Certíssimo! Mas, esse silêncio, que se deveria impor e não ser imposto, será absolutamente necessário em todos os momentos, em todos os fados? Não creio que assim seja. É certo que, por exemplo, o Fado de Coimbra, exige um silêncio que, quanto a mim se impõe por si mesmo. Aqueles fados assentam na alma de um modo que só nos apetece fechar os olhos e deixarmo-nos levar por um sentimento que quase nos pesa no coração. O mesmo me acontece quando ouço, por exemplo, “Primeiro amor (vinte anos) na voz de Cidália Moreira ou “O xaile de minha mãe”, cantado por tantas fadistas da nossa praça, ou até, para falar de fadistas mais recentes, “Gente da minha terra” de Mariza. Mas…e quando ouvimos alguns fados como o fado da “Mariquinhas” da Amália? É impossível ouvi-lo sem sentir que os ombros começam a mexer numa clara vontade de dançar, de bater o pézinho para acompanhar o ritmo ou, até, de acompanhar o fadista batendo palmas. E alguém consegue ouvir o “Lisboa, menina e moça” sem ter vontade de acompanhar, nem que seja baixinho, o fadista?
Será assim tão grave mostrar apreço e alguma alegria? Afinal fado é música e música é alegria!

Acho que devemos seguir a tradição mas não tem de ser seguida tão à risca!

Outra tradição que me inquieta ligeiramente: não se pode bater palmas no fado de Coimbra. Já ouvi dizer que hoje em dia, nas serenatas, já se vai ouvindo aqui e ali um bater de palmas. Mas no meu tempo, só podíamos mostrar o nosso apreço e contentamento com um ligeiro tossicar ou um pigarrear (que até é nocivo para a nossa garganta!) Caramba, não poderemos ficar tão satisfeitos que nos apeteça bater umas palmas? Não podemos soltar um “Bravo”?

E a resposta a estas perguntas é: “Claro que não!” Porque vos garanto que, se tivermos a audácia de ter algum destes comportamentos, logo uma figura castradora se irá virar para nós com um olhar assassino, soltando um poderoso “shiuuu”. Acreditem em mim: o mundo está tão bem construído que conseguiu colocar em todas as casas de fado, em todos os espetáculos de fado, uma dessas figuras, uma espécie de “polícia dos comportamentos a ter quando se ouve fado”. Não sei se essas pessoas falam, ou se apenas sabem soltar o poderoso shiuu que acompanham sempre com um olhar mortífero. Só lhes falta chegarem usarem o indicador para apontar quem é o pecador que merece o inferno.

Não sei se sentem o mesmo que eu mas estas pessoas agastam-me. Estragam-me a experiência! na sua implicância com o pouco silêncio que os outros possam fazer, acabam por ser mais barulhentos com os seus altíssimos shiuu! E, o pior de tudo, é que essas pessoas, com quem me vou cruzando, despertam a miúda pespineta que existe em mim e apetece-me fazer ainda mais barulho, bater palmas, bater o pé e gritar “Bravo!” no fim do fado!

E vocês, já se cruzaram com um destes “polícias dos comportamentos nas casas de fado”?

Porque acreditamos no amor?

Porque hoje é Dia de S. Valentim uma crónica escrita em torno de uma questão: “Porque acreditamos no amor?”

Está aí um dia de S. Valentim, mais um dia dos namorados, mais um dia (e uma desculpa) para celebrar o amor. Tendo em conta os tempos que correm é inevitável não se me colocar uma questão: faz sentido, ainda celebrar esse dia? Ainda acreditamos no amor?

Convenhamos que os tempos que correm são mais de desamor do que de amor. Algum de nós ainda se espanta quando ouve dizer que mais um casal se separou? É algo de estranho para nós saber que se celebrou mais um divórcio? Claro que não!

A separação de casais é, nos nossos tempos, “o pão nosso de cada dia”. Começa a ser natural, quando vamos a um casamento e quando felicitamos os noivos, questionarmo-nos sobre quantos anos durará aquela união. E a verdade é que não são muitos aqueles que escapam às separações mais ou menos violentas. Uns terminam na paz porque sentem que o amor terminou, que a monotonia se instalou, outros terminaram de modo mais violento, entre mágoas e agressões (físicas e/ ou verbais). Acontece em todo o lado, em todas as famílias, em todos os estratos sociais. Ninguém parece escapar a essa onda de desamor: os gordos e os magros, os feios e os bonitos, os simpáticos e os antipáticos, os anónimos e os famosos…

Contudo, e apesar da situação que acabo de descrever (e que penso ser inegável) a verdade é que este dia continua a ser festejado tanto no nosso país como em vários sítios deste mundo. É claro que o aspeto comercial não será alheio a tudo isto. Nestes dias somos totalmente inundados por publicidades mais ou menos lamechas sobre a importância de celebrar a data mas, acima de tudo, publicidades sobre a melhor forma de o fazer. Portanto, não é de espantar que grande parte dos casais, mais ou menos românticos, opte por assinalar a data com um jantar a dois, com uma surpresa romântica e/ ou uma troca de prendas mais ou menos simbólica. Verdade que nada disso me deixa admirada.

O que ainda me consegue surpreender, de facto, é ainda termos tanta confiança no amor, tanta confiança nos relacionamentos. Todos nós, de uma forma mais pronunciada ou não, continuamos a procurar amar e a procurar o amor. Todos os que não têm parceiro, ainda que já tenham tido, continuam a acreditar que o amor existe e que está algures no mundo à nossa espera, quem nos fará sentir amados e totalmente preenchidos. E escusam de vir dizer que este pensamento é tendencialmente feminino porque não acredito em nada disto. Todos nós, de um modo mais ou menos pronunciado, acreditamos no amor e acreditamos que vamos encontrar aquela pessoa que nos fará felizes a 100%.

E a que se deve essa crença? Deve-se, quanto a mim, a dois aspetos fundamentais. Por um lado, toda a ideia que nos foi vendida, ao longo de muitos anos pelas diversas formas de arte, com destaque para a literatura e o cinema, sobre um amor romântico altamente idealizado: todos somos metades à procura da sua outra metade! Em todas as histórias a que assistimos é evidenciado um amor tão grande, puro e verdadeiro que só pode trazer felicidade eterna a quem o sente… O amor é o propósito maior da vida, aquele sentimento que nos fará sentir, por fim, completos e preenchidos. Vendem-nos a ideia de que a vida só fará sentido se encontrarmos o amor.

Por outro lado, e esta é a minha firme opinião, todos precisamos de acreditar que existe um sentimento tão puro e tão bonito. Face a um mundo tão rico em sentimentos menos nobres, a um mundo cada vez mais de frieza e solidão, necessitamos acreditar que existe um sentimento puro que afastará tudo o que de feio existe à nossa volta. Acreditar no amor é acreditar numa força maior do bem.

Há que assumi-lo sem receios: o amor, ou a ideia romântica que dele fazemos, é e continua a ser a força motriz deste mundo. Tudo continua a girar em torno desse sentimento estranho que procuramos encontrar. Todos, no fundo, acreditamos que existe uma alma que será a nossa metade perdida e que a podemos reencontrar em determinada pessoa, em determinado momento. E isso acontece porque precisamos de acreditar que esse sentimento nobre e profundo existe. E precisamos de acreditar que se não o encontrámos à primeira, ou à segunda tentativa, encontraremos na terceira ou na quarta. Apesar de todos os exemplos menos positivos que vamos encontrando pelo caminho, continuamos a acreditar que existe o conto de fadas e que um dia o iremos encontrar. E isso não tem nada de errado. Pelo contrário: é essa ideia que nos dá força para seguir em frente apesar dos exemplos negativos, dos momentos menos bons, dos desencantos e dos momentos em que desacreditamos. Como dizia o grande Leonard Cohen “o amor não tem cura, mas é a única cura para todos os males”.

Continuemos a acreditar no amor porque precisamos de acreditar nele, continuemos a celebrá-lo, no dia de S. Valentim e todos os dias. Afinal, ainda acreditamos que ele é a cura para todos os males!