Bonjour maman

Porque hoje é Dia da Mãe. Volto a postar um dos textos mais pessoais que algum dia escrevi.

E do nada, percebemos que aqueles que nos deixaram há muito estão sempre perto de nós. Um cheiro, um som, uma imagem, despertam em nós algo que estava há muito adormecido, uma memória que nem sabíamos que existia.

Aconteceu-me lembrar-me de ti numa perfumaria, enquanto experimentava uns cremes. De um momento para o outro, senti-me transportada para os meus tempos de meninice. Comentei “que estranho”, este cheiro lembrara-me a França. A razão era muito simples: estava a experimentar o creme que tu, mãe, usavas. Pelo menos o cheiro era exatamente o mesmo… A relação do teu cheiro com a França era simples…não contando com as férias, que para uma criança tão pequena mais não são do que uma névoa, sempre vivi contigo em França… Portugal não és tu, não somos nós, Portugal não tem o teu cheiro…As memórias de ti estão ligadas, irremediavelmente a uma Franca que tu aprendeste a gostar.

Hoje aconteceu-me com a imagem de um filme. Uns pés pousados no tablier de um carro. E eis que me apareceste outra vez. Tinhas esse hábito, eventualmente nas viagens de França para Portugal, de seguires assim enquanto o pai dirigia e nós as duas seguíamos atrás a observar a paisagem que desfilava sob os nossos olhos. Como raio me lembro tão nitidamente (agora que esta lembrança apareceu) daquele pé tão pequeno pousado no tablier? A lembrança é tão nítida que sei que se tratava de um pé branquinho, pequeno, com uma unha pintada de vermelho.

A verdade é que os anos vividos na tua ausência são mais que muitos. A verdade é que as memórias de ti são muito díspares, esfumadas no tempo, não sei se baseadas efetivamente em acontecimentos reais, em fotografias, ou em memórias de outros. Mas de tempos a tempos aparece uma memória assim: um cheiro, um perfume, um gesto, a tua imagem com um lenço na cabeça cor de laranja por cima do teu cabelo curto e negro…as mãos pregadas à cintura, uma de cada lado, numa quase posição de desafio à vida…e essas lembranças sabem tão bem. Aqui há tempos recordei uma pequena caixa de música que existia numa casa onde trabalhavas. Dávamos à manivela e tocava o Fur Elise. Por que raio e como recordo isso? Não sei. Mas sei que encontrei, uns 35 anos depois, uma caixa destas à venda…tenho-a ali, junto à minha cama…

É nestes momentos, nestas memórias que te sinto perto de mim. Sei que parece estranho mas sinto a tua presença. Acredito piamente que, sempre que te é possível, me acompanhas: em momentos aparecidos do nada, quando a mente vagueia vazia, sem grandes preocupações. E, também, em momentos mais tensos e difíceis…quantas vezes me viro num rápido, sentindo-me observada para perceber que, quando olho, apenas vejo o vazio? Quantas e quantas vezes, do nada, sinto uma espécie de brisa fresca chegar até mim sem qualquer explicação? A verdade é que sinto a tua presença, como quem quer vir dar o apoio da única forma que o consegue fazer, como uma mãe que apesar de longe não esqueceu nunca as filhas que tinha por cá.

Sinto-te e “gosto-te”. E admiro essa tua capacidade de te fazeres tão presente mesmo nessa tua ausência tão dura e tão permanente, demonstrando que nunca foste de baixar os braços…continuas na luta, observando e, de algum modo, protegendo os teus. Ainda que tão etérea, tão difícil de palpar…obrigada pela tua presença. É por essa tua presença tão sentida que em cada Dia da Mãe posso dizer “Bonjour Maman! Feliz dia da Mãe”