Halloween ou Pão por Deus?

E está aí à porta mais um festejo de Halloween! Mais um 31 de outubro, mais um Dia de Bruxas, mais um dia de gritantes “Doce ou travessura?”

E sabem o que está aí à porta também? Aliás, não está à porta, já está a acontecer! A crítica ouvida uma e outra vez de que esta não é uma tradição nossa e que, como tal, devia ser veementemente refutada! Mais uma vez iremos ouvir a plenos pulmões – quer seja nas redes sociais, quer seja nas conversas tidas com pessoas várias – que a nossa tradição é a do “Pão por Deus” e que, como tal, devemos abominar esta tradição importada de países anglo-saxónicos.

Portanto, se de um lado temos as crianças e jovens que já cresceram num ambiente de celebração do Halloween, de trajar nesse dia uma fantasia mais ou menos assustadora de bruxa, zombie, esqueleto ou algo semelhante, temos, por outro lado, aqueles ligeiramente mais velhos que cresceram a pedir, de porta em porta, o “Pão por Deus”. Duas tradições à partida muito diferentes e que teriam, em princípio, raízes absolutamente contrárias.

Não sou historiadora, nem pretendo sê-lo, mas sou uma pessoa curiosa. Assim sendo, fui pesquisar qual seria a origem do Halloween. A corrente mais comum diz-nos que esta é uma festa que já conta com mais de 3000 anos. Ela surgiu com os celtas que celebravam o festival de Samhain, que tinha início no dia 31 de outubro. Comemorava-se o fim do verão e a passagem do ano celta, que tinha início no dia 1 de novembro. Era crença que neste dia os mortos se levantavam e apoderavam-se dos corpos dos vivos. Os familiares dos mortos deixavam à porta comida e bebida para receber os espíritos e deixá-los felizes.

Como o Samhain era uma comemoração  muito popular, e pagã, a Igreja, na Idade Média, começou a vê-lo com olhos de desagrado e passou a condená-lo. Foi daí que começou a surgir a expressão “Dia das Bruxas”. Ainda no decorrer desse pensamento, o papa alterou a data do Dia de Todos os Santos. O Festival Romano dos Mortos era comemorado no dia 13 de maio e passou a ser comemorado no dia 1 de novembro (data do Samhain). E o que é que resultou disto? Aquilo que sempre aconteceu: as tradições pagãs do Samhain e as tradições católicas do festival romano dos mortos misturaram-se. Se no Samhaim se oferecia comida e bebida aos mortos, no Dia de Todos os Santos manteve-se uma tradição semelhante. A de fazer oferendas aos espíritos.

Portanto, qual é a minha opinião? A raiz do Halloween e do Pão por Deus é a mesma. Nos países anglo-saxónicos andam as crianças, na noite de 31 de outubro, de porta em porta, a pedir doces. Se os doces lhes forem negados, as pessoas poderão sofrer uma travessura.

E em Portugal? Em Portugal andavam as crianças, no dia 1 de novembro, em pequenos bandos, de porta em porta, a pedir o “Pão por Deus”. Levavam o seu saquinho de pano e recebem oferendas que podem ser bolinhos, romãs, bolachas, chocolates, broas, frutos secos (guloseimas, diria eu). E repare-se no pormenor: quando chegavam a casa das pessoas recitavam pequenas orações como esta, que  cito a título de exemplo:

“Pão por Deus,

Fiel de Deus,

Bolinho no saco

Andai com Deus”.

Contudo, quando não recebiam nada ou não lhes abriam a porta, recitavam “orações” como esta:

Esta casa cheira a alho

Aqui mota um espantalho

Esta casa cheira a unto

Aqui mora algum defunto”.

Serei só eu a achar que temos aqui um pequeno gesto de “doce ou travessura?”

Relembro que não fiz uma pesquisa aprofundada sobre o assunto. Apenas quis demonstrar que, provavelmente, não existe uma diferença assim tão grande entre uma tradição e outra. E, acima de tudo, há que aceitar que estamos num mundo em que, cada vez mais as fronteiras se esbatem (com o que de bom e de mau isso pode trazer). É impossível não nos deixarmos influenciar pelas  diferentes tradições com as quais contactamos quer seja através do cinema, da literatura, das viagens que se fazem, das notícias que nos chegam. O que nos resta fazer? Numa frase um tanto ou quanto pueril diria “Aceita, que dói menos”.

Sou de opinião que devemos retirar o melhor de todas as situações. É um facto que o Halloween se instalou no nosso país  e que as nossas crianças querem festejar o Halloween, trajar algum disfarce “diabólico” e divertir-se, correndo de casa em casa e pedindo doces ou prometendo travessuras. Não podemos lutar contra isso. O que podemos fazer, sim, é falar com eles, falar-lhes do nosso “Pão por Deus”, vesti-los com a sua melhor roupa no dia 1 de novembro, e deixá-los ir, mais uma vez, de casa em casa, a pedir o Pão por Deus. No fim terão doces a duplicar! Todo um lucro!

A verdade é que, como dizia o poeta, “o mundo pula e avança”. Tudo se altera, modifica com o tempo. Temos de aceitar isso, tirar o melhor partido da situação e manter viva na memória dos meninos de amanhã as memórias e tradições dos meninos de ontem. Só isso.

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