Os gatos, essas sábias criaturas

A crónica de hoje, publicada no Semanário Registo, aborda a sabedoria inerente aos gatos no que a viver a vida da melhor forma diz respeito. O facto é que partilho a minha vida há muitos anos com gatos, nomeadamente com a gata Carlota (que está na foto) e muito tenho aprendido com eles. É sobre essa aprendizagem que vos falo nesta crónica. Enjoy!

In Semanário Registo

Adoro gatos. Quem me conhece sabe que esta deveria ser uma das principais informações a constar do meu curriculum vitae. A verdade é que gosto de animais em geral. Gosto muito de  gatos, cães, raposas, burros. Não aprecio tanto pássaros e peixes mas, ainda assim, gosto deles. Contudo, no universo de toda a animália, assumo que os felinos têm um lugar especial no meu coração. Considero-os seres diferentes e especiais (e, talvez por isso, tão incompreendidos). E quanto mais contacto com eles mais tenho a certeza que são, de facto, seres mágicos colocados no nosso caminho para nos ensinar a viver e, sobretudo, a retirar da vida o melhor que ela nos pode oferecer.

O que nos ensinam, então, os gatos?

Antes de tudo, ensinam que amam de um modo saudável. Amam sem esquecer do seu amor-próprio. Não tenho qualquer dúvida que os felinos gostam de nós. Aliás, partilho a minha vida com vários e todos eles me provam, de formas diferentes, que gostam de mim e que sentem a minha falta. É certo que eles cultivam um certo ar aristocrático que irrita muitos, um certo ar de “não estou nem aí para ti”. Acontece várias vezes chegar a casa, chamar a felina Carlota, e ela não mexer uma pata para se juntar a mim (“se não estiveste em casa todo o dia, por que razão deverei agora ir a correr para ti?” – pensará ela). Muitas vezes limita-se a estar no meio de corredor, estática, a olhar para mim com aquele ar de “ah, já chegaste? Finalmente decidiste voltar para casa?” No fundo, ela está tão convencida que estamos na casa que é dela para a servir que quase fica ofendida por a termos deixado algumas horas sozinha. E como não demonstra os seus sentimentos “por dá cá aquela palha”, opta por uma certa dose daquilo que nos parece desprezo. Acredito piamente que ela sente a nossa falta quando saímos de casa. Aquele olhar lançado num misto de zanga, tristeza e desprezo fazem-nos sentir culpados na hora em que fechamos a porta. Mas aí está uma das características fabulosas num gato. Ela sente a nossa partida, sim, mas depressa supera essa falta. Não fica numa espera em sofrimento. Ela escolhe aproveitar o sol e o tempo para dormir até que regressemos a casa. E essa é uma das características que mais me agrada nos gatos, uma daquelas características que mais nos ensina: são independentes e não fazem drama por coisa pouca. Amam-nos, sem dúvida alguma, mas não se esquecem de si e do seu amor-próprio. Portanto, nada de vir a correr a abanar o rabo quando, finalmente, chegamos.

A verdade é que os gatos apenas dependem de nós para uma coisa: abrir-lhes as latas de patê, que a maior parte dos felinos adora. Todo o resto é uma escolha para eles. Eles escolhem gostar de nós. Eles escolhem deitar-se no nosso colo. Eles escolhem usufruir da nossa companhia quando a desejam e escolhem isolar-se quando precisam de estar com eles próprios. No fundo, são eles que mandam na relação. Não fazem nada que não lhes apetece, não fazem nada contrariados. Não será esta uma boa lição de vida para nós?

Outra coisa que os gatos nos ensinam é o conceito de paciência. Estes animais são infinitamente pacientes. Na caça, aguardam calmamente que a presa se coloque quase à sua mercê. Não gastam energias correndo como loucos atrás dela. Nada disso. Aguardam até que, num salto prodigioso, mostram que conseguem ser perfeitas máquinas assassinas. Mostram-nos o mesmo nas relações que desenvolvem. Eles não criam confiança contigo de um dia para o outro. Constroem pacientemente uma relação de confiança, dia-a-dia, pé ante pé. Por isso, quando um gato confia em nós o suficiente para se deitar no nosso colo, sentimos que alcançámos uma grande conquista. Não estarão eles a ensinar-nos que as relações sérias são construídas com calma, assentando em bases firmemente construídas? 

Outra coisa que a Carlota (a felina) me ensinou é que o valor das coisas está nos olhos de quem as vê. Nada de comprar brinquedos caríssimos para ela, arranhadores todos giros ou túneis. Uma simples bola de papel diverte-a tanto como um brinquedo caro. No fundo, ela ensinou-me que, se ela dá valor, tem valor. Só isso.

A felina da casa ensinou-me, ainda, que só se deve ficar satisfeita com o melhor! Nada menos que isso. Efetivamente, ela adquiriu o hábito de “pedinchar” quando estamos à mesa. Mas sabe bem o que quer e pedincha. Quer uma boa lasca de peixe ou um pedaço de carne (sem gordura que a condessa acha que lhe faz mal!) Se lhe esticar um pedaço de pão ou algo que não lhe passe pelo fino palato retira-se imediatamente com ar ofendido. E lá pensa: “aí tens mais uma lição, humana. Ou te dão o melhor ou retira-te desse palco!”

Por fim, Carlota ensinou-me que tempo para relaxar é tempo para relaxar. Não a incomodem quando ela faz a sua fotossíntese ao sol! E ela, nesses momentos deitados ao sol, ou ao calor da lareira, descansa verdadeiramente. Desliga do mundo. Recupera as energias que gastou a correr aqui e ali. Ela mostra-me, na sua atitude sábia, que há tempo para correr e cansar-se e tempo para repousar e relaxar. Tudo bem doseado numa atitude de quem percebeu como a vida deve ser vivida.

 Adoro gatos. Sinto-os como pequenas enciclopédias que nos ensinam, numa atitude sábia, como a vida deve ser vivida. São animais tenazes, que sabem o que querem e, sobretudo, sabem muito bem o que não querem. Cultivam, perante a vida e as pessoas, uma certa atitude senhorial, que alguns entendem como desprezo, mas que mais não é do que alguma reserva perante pessoas e situações. Perceberam que as relações com humanos são construídas com tempo, paciência, persistência e uma dose de confiança. Cuidam de si como mais ninguém cuida. Talvez por isso se sinta que têm um excelente autoconceito. (Digo sempre que a Carlota cá de casa pensa que é da realeza!) Amam as pessoas como só um animal sabe amar, de coração inteiro, mas têm o bom senso de o demonstrar em pequenas doses diárias. Aproveitam o melhor que a vida lhes dá e não aceitam nada menos que isso. Não terão eles descoberto o segredo de bem viver?

Deixe um comentário