O Beijo

Este pequeno conto surgiu para dar resposta a um desafio lançado pela Lara Barradas: devíamos escolher uma pintura e escrever um texto partindo da nossa interpretação da obra. O meu pensamento voou logo para este lindíssimo “O beijo” do Klimt. Deixo-vos o resultado desse voo que a minha imaginação realizou. Enjoy!

Gustavo sabia que tinha chegado a hora da partida. Por difícil que lhe fosse, sabia que não podia adiar. Hoje iriam partir, ele e mais uns quantos bravos homens, para se unir ao esforço de outros, na frente de combate. Tal situação era pouco expectável um ano antes. Pensava-se que esta guerra seria resolvida em poucos dias, mas a verdade é que do outro lado tinha-se apresentado uma nação orgulhosa, firme e difícil de vencer. Aquilo que se pensava que se resolveria em poucos dias, arrastava-se há vários meses e as baixas eram mais que muitas. Como tal, e porque a guerra parecia querer prolongar-se muito para além do que era expectável, todos os reforços eram necessários.

O pelotão que hoje se punha a caminho era formado, maioritariamente, por jovens adultos, mal saídos da puberdade. Era um bando de rapazes a quem faltava o ímpeto guerreiro que tinham visto nos seus pais. Estes jovens percebiam que a guerra se estava a arrastar indefinidamente e que, ainda que a ganhassem, nada justificaria as baixas que se sentiam. Todas as famílias estavam, neste momento, de luto por um irmão, um pai, um tio e até mesmo um avô.

Gustavo tinha sido poupado, até ao momento, a esse esforço de guerra. O seu pai tinha sido dos primeiros a cair em combate e, como ele era o único sustento da família – constituída pela viúva, sua mãe, e por mais duas irmãs, tinham decidido que Gustavo se iria manter na aldeia, não partindo para a frente da guerra.

Contudo, as baixas eram imensas, as necessidades de homens que combatessem infindas. Já pouco importava se era Gustavo quem sustentava a casa. A necessidade de o ter, junto dos outros jovens, era incontornável. E assim aconteceu: um dia, Gustavo recebeu uma missiva que o convocava para se juntar à frente de combate…

Tinha-se passado uma semana desde essa convocatória. Desde esse dia, as lágrimas eram muitas. A mãe, que ainda se demonstrava inconsolável por ter perdido o marido, sentia que estava prestes a perder o filho varão. As irmãs choravam pelo irmão mais velho, por sentirem que ficariam, doravante, completamente desprotegidas e, há que dizê-lo, pelos jovens amigos que também iriam partir, acompanhando o irmão.

Gustavo guardou uma última visita para o dia da partida. Queria guardar a imagem da sua amada na mente e no coração. Ainda que quisesse muito ver e abraçar Madalena, a dor da separação já o dilacerava. Não conseguia apagar da mente a imagem da sua amada, com as lágrimas a caírem-lhe quatro a quatro, quando a tinha informado sobre a convocatória… Despedir-se dela iria ser o mais difícil. Mas tinha de o fazer.

Gustavo caminhava lentamente em direção à casa da sua amada Madalena. Este momento era-lhe deveras difícil. Na mão levava um manto que a mãe tinha bordado e costurado  pelas suas próprias mãos. Ela realizara aquela pequena obra de arte para oferecer à primeira filha que se casasse mas considerou que oferecê-lo a Madalena seria, naquele momento, a decisão acertada.

Gustavo chegou então a casa de Madalena. Bateu à porta. Ela veio recebê-lo com um semblante triste. Os seus cabelos cor de fogo, habitualmente tão brilhantes, estavam baços, tal como estava a sua cara. Ainda assim, Gustavo reparou que ela envergava, para a despedida, o seu melhor vestido e que tinha adornado o seu cabelo com florzinhas do campo. Gustavo sorriu. Ela era tão bela!

Mostrou-lhe o manto, referindo que era a sua prenda de despedida. Não trocaram muitas mais palavras. Gustavo enlaçou-a, cobrindo-a com o manto que lhe tinha oferecido. Sentia o calor do seu corpo atravessar as camadas de tecido. Ah, como ia sentir falta desse aconchego – pensou ele. Depositou-lhe um beijo terno na cara. Pensou que era essa imagem que ele queria guardar para todo o sempre na sua mente. A beleza dela e aquele momento que, apesar de carregado de tristeza, estava carregado do amor que os unia, do aconchego que ela lhe transmitia. Queria gravar essa imagem do beijo, do abraço, da sua amada para a eternidade.

Meses mais tarde, quando Gustavo tombou em combate, foi essa a última imagem que lhe atravessou a mente. Quem olhasse para aquele corpo ali largado, para aquele rosto sem vida, poderia ver, estranhamente, um leve sorriso na ponta dos lábios.

Gustavo tombou em combate. Perdeu a vida. Mas temos certeza que a última imagem que lhe atravessou a mente não foi o horror daquela batalha, o sangue e a lama,  mas sim a imagem dele próprio a abraçar e a dar um beijo à sua linda Madalena, de olhos fechados, com flores no cabelo, embrulhada num manto e num abraço.

Silêncio que se vai cantar o fado!…

Gosto de fado. Assumo que não é um estilo de música que ouça diariamente mas gosto de, por vezes, ouvir no carro os nossos de sempre –  Amália, Carlos do Carmo – e gosto de ouvir os mais novos, Camané, Mariza, Carminho, para citar apenas alguns nomes.

Para além do carro, gosto, e se calhar será o  sítio  onde mais gosto de o ouvir, de presenciar noites de fados em casas de fado ou em salas escolhidas para o efeito.

Gosto da ideia que se tem de uma casa de fado: um local bem decorado tendo em conta o tema – o Fado –, onde podemos petiscar ou jantar enquanto assistimos a um espetáculo com um ou mais fadistas. Adoro quando os petiscos oferecidos são bem “nossos” como sejam um belo enchido assado (morcelas, farinheira, chouriça), umas ameijoas à bulhão pato, uns ovos verdes ou uns ovos mexidos com espargos. Tudo isto regado com um bom vinho tinto! E se me oferecerem um caldinho verde também fico do mais satisfeita.

 Concluindo: com um ambiente circundante simpático, com uma comida que muito me agrada, com um bom vinho e boa música, temos reunidos os ingredientes necessários para ter uma boa noite!

Mas…há sempre um “más”, não é verdade? Mas nem tudo me agrada nas casas de fado. Há pormenores, se é que lhes posso chamar assim, que me causam uma ligeira urticária, uma ligeira irritação, no início, e que despertam a criança desafiadora que existe em mim, ao fim de algum tempo, levando-me ao ponto de ter vontade de gritar.

Vamos lá falar, não do que gosto – que é opinião, penso eu, consensual – mas daquilo que não gosto.

Aquilo que me irrita, sobretudo, nas casas de fado é a atitude um nadica pretensiosa que se sente por parte de algumas pessoas que assistem ao espetáculo. Aquelas pessoas que seguem escrupulosamente (e exigem que se siga) um monte de regras que todos devemos conhecer e que deveriam ser lidas à entrada de cada Casa de Fado, para todos saberem ao que vão.

Todos sabemos que o silêncio deve imperar quando se canta um fado. Certíssimo! Mas, esse silêncio, que se deveria impor e não ser imposto, será absolutamente necessário em todos os momentos, em todos os fados? Não creio que assim seja. É certo que, por exemplo, o Fado de Coimbra, exige um silêncio que, quanto a mim se impõe por si mesmo. Aqueles fados assentam na alma de um modo que só nos apetece fechar os olhos e deixarmo-nos levar por um sentimento que quase nos pesa no coração. O mesmo me acontece quando ouço, por exemplo, “Primeiro amor (vinte anos) na voz de Cidália Moreira ou “O xaile de minha mãe”, cantado por tantas fadistas da nossa praça, ou até, para falar de fadistas mais recentes, “Gente da minha terra” de Mariza. Mas…e quando ouvimos alguns fados como o fado da “Mariquinhas” da Amália? É impossível ouvi-lo sem sentir que os ombros começam a mexer numa clara vontade de dançar, de bater o pézinho para acompanhar o ritmo ou, até, de acompanhar o fadista batendo palmas. E alguém consegue ouvir o “Lisboa, menina e moça” sem ter vontade de acompanhar, nem que seja baixinho, o fadista?
Será assim tão grave mostrar apreço e alguma alegria? Afinal fado é música e música é alegria!

Acho que devemos seguir a tradição mas não tem de ser seguida tão à risca!

Outra tradição que me inquieta ligeiramente: não se pode bater palmas no fado de Coimbra. Já ouvi dizer que hoje em dia, nas serenatas, já se vai ouvindo aqui e ali um bater de palmas. Mas no meu tempo, só podíamos mostrar o nosso apreço e contentamento com um ligeiro tossicar ou um pigarrear (que até é nocivo para a nossa garganta!) Caramba, não poderemos ficar tão satisfeitos que nos apeteça bater umas palmas? Não podemos soltar um “Bravo”?

E a resposta a estas perguntas é: “Claro que não!” Porque vos garanto que, se tivermos a audácia de ter algum destes comportamentos, logo uma figura castradora se irá virar para nós com um olhar assassino, soltando um poderoso “shiuuu”. Acreditem em mim: o mundo está tão bem construído que conseguiu colocar em todas as casas de fado, em todos os espetáculos de fado, uma dessas figuras, uma espécie de “polícia dos comportamentos a ter quando se ouve fado”. Não sei se essas pessoas falam, ou se apenas sabem soltar o poderoso shiuu que acompanham sempre com um olhar mortífero. Só lhes falta chegarem usarem o indicador para apontar quem é o pecador que merece o inferno.

Não sei se sentem o mesmo que eu mas estas pessoas agastam-me. Estragam-me a experiência! na sua implicância com o pouco silêncio que os outros possam fazer, acabam por ser mais barulhentos com os seus altíssimos shiuu! E, o pior de tudo, é que essas pessoas, com quem me vou cruzando, despertam a miúda pespineta que existe em mim e apetece-me fazer ainda mais barulho, bater palmas, bater o pé e gritar “Bravo!” no fim do fado!

E vocês, já se cruzaram com um destes “polícias dos comportamentos nas casas de fado”?

Porque acreditamos no amor?

Porque hoje é Dia de S. Valentim uma crónica escrita em torno de uma questão: “Porque acreditamos no amor?”

Está aí um dia de S. Valentim, mais um dia dos namorados, mais um dia (e uma desculpa) para celebrar o amor. Tendo em conta os tempos que correm é inevitável não se me colocar uma questão: faz sentido, ainda celebrar esse dia? Ainda acreditamos no amor?

Convenhamos que os tempos que correm são mais de desamor do que de amor. Algum de nós ainda se espanta quando ouve dizer que mais um casal se separou? É algo de estranho para nós saber que se celebrou mais um divórcio? Claro que não!

A separação de casais é, nos nossos tempos, “o pão nosso de cada dia”. Começa a ser natural, quando vamos a um casamento e quando felicitamos os noivos, questionarmo-nos sobre quantos anos durará aquela união. E a verdade é que não são muitos aqueles que escapam às separações mais ou menos violentas. Uns terminam na paz porque sentem que o amor terminou, que a monotonia se instalou, outros terminaram de modo mais violento, entre mágoas e agressões (físicas e/ ou verbais). Acontece em todo o lado, em todas as famílias, em todos os estratos sociais. Ninguém parece escapar a essa onda de desamor: os gordos e os magros, os feios e os bonitos, os simpáticos e os antipáticos, os anónimos e os famosos…

Contudo, e apesar da situação que acabo de descrever (e que penso ser inegável) a verdade é que este dia continua a ser festejado tanto no nosso país como em vários sítios deste mundo. É claro que o aspeto comercial não será alheio a tudo isto. Nestes dias somos totalmente inundados por publicidades mais ou menos lamechas sobre a importância de celebrar a data mas, acima de tudo, publicidades sobre a melhor forma de o fazer. Portanto, não é de espantar que grande parte dos casais, mais ou menos românticos, opte por assinalar a data com um jantar a dois, com uma surpresa romântica e/ ou uma troca de prendas mais ou menos simbólica. Verdade que nada disso me deixa admirada.

O que ainda me consegue surpreender, de facto, é ainda termos tanta confiança no amor, tanta confiança nos relacionamentos. Todos nós, de uma forma mais pronunciada ou não, continuamos a procurar amar e a procurar o amor. Todos os que não têm parceiro, ainda que já tenham tido, continuam a acreditar que o amor existe e que está algures no mundo à nossa espera, quem nos fará sentir amados e totalmente preenchidos. E escusam de vir dizer que este pensamento é tendencialmente feminino porque não acredito em nada disto. Todos nós, de um modo mais ou menos pronunciado, acreditamos no amor e acreditamos que vamos encontrar aquela pessoa que nos fará felizes a 100%.

E a que se deve essa crença? Deve-se, quanto a mim, a dois aspetos fundamentais. Por um lado, toda a ideia que nos foi vendida, ao longo de muitos anos pelas diversas formas de arte, com destaque para a literatura e o cinema, sobre um amor romântico altamente idealizado: todos somos metades à procura da sua outra metade! Em todas as histórias a que assistimos é evidenciado um amor tão grande, puro e verdadeiro que só pode trazer felicidade eterna a quem o sente… O amor é o propósito maior da vida, aquele sentimento que nos fará sentir, por fim, completos e preenchidos. Vendem-nos a ideia de que a vida só fará sentido se encontrarmos o amor.

Por outro lado, e esta é a minha firme opinião, todos precisamos de acreditar que existe um sentimento tão puro e tão bonito. Face a um mundo tão rico em sentimentos menos nobres, a um mundo cada vez mais de frieza e solidão, necessitamos acreditar que existe um sentimento puro que afastará tudo o que de feio existe à nossa volta. Acreditar no amor é acreditar numa força maior do bem.

Há que assumi-lo sem receios: o amor, ou a ideia romântica que dele fazemos, é e continua a ser a força motriz deste mundo. Tudo continua a girar em torno desse sentimento estranho que procuramos encontrar. Todos, no fundo, acreditamos que existe uma alma que será a nossa metade perdida e que a podemos reencontrar em determinada pessoa, em determinado momento. E isso acontece porque precisamos de acreditar que esse sentimento nobre e profundo existe. E precisamos de acreditar que se não o encontrámos à primeira, ou à segunda tentativa, encontraremos na terceira ou na quarta. Apesar de todos os exemplos menos positivos que vamos encontrando pelo caminho, continuamos a acreditar que existe o conto de fadas e que um dia o iremos encontrar. E isso não tem nada de errado. Pelo contrário: é essa ideia que nos dá força para seguir em frente apesar dos exemplos negativos, dos momentos menos bons, dos desencantos e dos momentos em que desacreditamos. Como dizia o grande Leonard Cohen “o amor não tem cura, mas é a única cura para todos os males”.

Continuemos a acreditar no amor porque precisamos de acreditar nele, continuemos a celebrá-lo, no dia de S. Valentim e todos os dias. Afinal, ainda acreditamos que ele é a cura para todos os males!

Digo não à blue Monday!

(Crónica publicada no blogue Steff’s World – a soma dos dias e no Jornal Fórum

Sabiam que a última 2ª feira foi o dia mais triste do ano? Sabem porque é que se considera a terceira segunda-feira do mês de janeiro o dia mais triste do ano? Venham daí!

E eis que chegou aquele dia que tantos temiam desde o início do ano. Sim, aquele dia pouco simpático, triste, deprimente e deprimido a que se convencionou chamar de “Blue Monday”, o dia mais triste do ano! É verdade! Para aqueles menos atentos ao calendário, venho relembrar que esta é a terceira segunda-feira de janeiro e que, como tal, dia 15 estaremos perante a já famosa “Blue Monday”.

Desde 2005, e como consequência de um estudo do psicólogo Cliff Arnall, que se denomina a terceira segunda-feira do mês de janeiro como o “dia mais triste do ano”. O dia teria sido calculado pelo psicólogo tendo em conta vários fatores, que combinou numa equação, que tinham em consideração factos como:

– as condições climatéricas que se fazem sentir nesta época;

– as despesas (ou até as dívidas) contraídas durante as festas de Natal e Ano Novo;

– o facto de já ter decorrido tempo suficiente para percebermos que, mais uma vez, falhámos redondamente nas nossas resoluções para o novo ano;

– os baixos níveis de motivação habituais nesta época;

– a sensação que queremos realizar mudanças nas nossas vidas mas que ainda não fizemos nada para criar essas mudança, para atingir as conquistas que pretendíamos atingir neste 2024.

É claro que há muito que esta teoria foi catalogada como pseudociência e que se percebeu que ela não passava de uma manobra de marketing. Contudo, a ideia ficou e todos os anos nos lembramos que a terceira segunda-feira do mês de janeiro é dia de nos sentirmos tristes e meio zangados com o mundo. E o facto é que ainda que não se trate de ciência, existe alguma verdade nesta pseudociência, que mais não é do que senso comum.

A verdade é que estamos no inverno e os dias têm poucas horas de luminosidade. Muitas vezes, os dias são cinzentos e escuros. Está frio, o que nos retira alguma vontade de sair de casa e passear a céu aberto. Sentimos (a maior parte de nós) que temos longos meses de trabalho pela frente até que tenhamos a possibilidade de descansar numas merecidas férias. Sentimos que o mês de janeiro nunca mais tem fim, enquanto aguardamos o tão desejado “balão de oxigénio” a que damos o nome de salário. Sentimos o peso das despesas que tivemos com o Natal e as 1001 prendas que não devíamos ter comprado…para não falar das despesas que tivemos com o fim-de-ano!! E a dieta?? Já percebemos a esta altura que não só nos falta já a vontade para ir para o ginásio (o frio retira qualquer vontade!) como também temos pouca vontade para continuar aquela alimentação hipocalórica que não está a oferecer-nos os resultados que pretendíamos! Raios, o psicólogo devia mesmo ter razão! Que tristeza!!

Mas é claro que não me vou deixar abater por todos estes pensamentos. Este ano decidi fazer da blue Monday um happy day (e sabe Deus o difícil que isso é numa segunda-feira!!), olhando para esta data com uma perspetiva positiva! Vou começar por não reclamar por ser segunda-feira, por ter de levantar cedo, por estar frio. Quero acreditar que, pelo menos, teremos sol! A ideia será afastar de mim todo e qualquer pensamento negativo (e se puder afastar-me, ao mesmo tempo, das pessoas negativas…seja!) Quero acreditar que ao reclamar menos me irá sobrar um tempinho para degustar um copo de vinho enquanto leio um livro, vejo um filme… Vou pensar e agendar pequenos momentos a saborear durante toda a semana (fim-de-semana incluído!) A ideia é deixar de pensar a longo prazo (nas férias, por exemplo) e pensar em pequenos momentos que possam alimentar a minha alma e o bem-estar diariamente (um café com amigos, um lanche, fazer uma caminhada, passear, ir ao cinema…); Vou pensar mais em ser feliz hoje do que pensar sempre num amanhã mais brilhante e feliz que poderá nunca chegar. Decidi que irei almoçar algo que gosto muito. Sim, tenho apenas uma hora de almoço mas irei fazer uma refeição a comer um dos meus pratos favoritos (esta não é difícil de aplicar, uma vez que sou eu que confeciono a marmita!) fazendo dessa hora, uma hora de degustação prazerosa. Decidi, também, que tentarei dar um pequeno passo para levar um pouco de felicidade àqueles que se cruzarem comigo: um sorriso, um bom-dia, dois dedos de conversa com quem estiver disposto a ouvir-me…tudo banhado em “positivismo”, procurando esquecer que, como dizia Rui Veloso “para mim hoje é janeiro/ está um frio de rachar/ parece que o mundo inteiro/ se uniu para me tramar”.

Existem, como vimos, muitas e muitas razões para sentirmos que esta é uma segunda-feira ainda mais triste e desconsolada que as outras segundas-feiras. Mas a verdade é que nos compete a nós decidir qual será a atitude a termos neste início de semana e neste início de ano. Eu escolhi dizer não à blue Monday! E estou quase certa que este vai ser um dia recheado de boas energias, que de blue só terá o céu!

“O circo sem animais é como uma ópera em playback”…

Foto de William Fitzgibbon na Unsplash

É inevitável! Entra o mês de dezembro, aproxima-se a época natalícia, e lá se lembram os canais portugueses de trazer o circo ao pequeno ecrã. Alguém que me explique, por favor, qual a ligação que encontram entre o circo e o Natal porque, eu, assim de repente, não encontro nenhuma…

Quero deixar bem claro, antes de continuar, que, não sou uma amante de circos (Abra-se honrosa exceção ao Cirque du Soleil). Não gosto de palhaços (aliás, acho-os sinistros) e acho a maior parte dos números dos artistas ligeiramente requentados, algo visto e revisto à exaustão. O Cirque du Soleil, de facto, traz-nos números novos e arriscados, em histórias bem contadas, com figurinos de sonho. Daí ser uma exceção e apresentar um sucesso que se tem mantido ao longo dos anos (no que me parece ser um caminho diferente da maior parte dos circos).

Mas, não gostando, não teria nada contra este espetáculo ser exibido todos os anos em canal aberto se a escolha do espetáculo de circo não recaísse, uma vez e outra, no Circo de Monte-Carlo. A grande festa do circo, como lhe chamam. É um facto que o Festival Internacional de Circo continua a trazer os melhores artistas circenses que existem por esse mundo fora e que, para os amantes do género, este será um dos espetáculos inesquecíveis. Mas, há que sublinhar que o grande circo de Monte-Carlo continua a apresentar animais nos seus números, em exibições que, por baixo de brilho e lantejoulas, mais não são do que sofrimento desnecessário para os animais. Não consigo entender como ainda não foi imposta a não utilização de animais em todo e qualquer circo em qualquer lugar desse mundo. Pior, quando questionada sobre o facto de o Circo de Monte-Carlo ainda apresentar números com animais, a princesa Stéphanie do Mónaco, presidente do Festival Internacional de Circo, aquele que se diz ser o maior evento circense do mundo, referiu que “O circo sem animais é como uma ópera em playback”…

Sou absolutamente contra o uso de animais em circos. Felizmente, a situação em Portugal tem progredido para aquela que é a situação ideal: circo sem animais. Ao que sei, apenas o Circo Cardinali (que também se instala no Passeio Marítimo de Algés na época de Natal) mantém animais nos seus números: cavalos e camelos. E até esse grande circo tem até 2025 para devolver a liberdade a estes animais. O fim dos “tristes espetáculos” com animais está perto. Que deixem estes animais viverem em santuários, que não sejam obrigados a, noite após noite, apresentar um espetáculo que os obriga, a maior parte das vezes, a realizar atividades que vão contra a sua própria natureza, que não sejam obrigados a viver sob as luzes ofuscantes, a conviver com o barulho, por vezes ensurdecedor, do público, parece-me o melhor presente de Natal que lhes possam oferecer.

Quanto ao grandioso Circo de Monte-Carlo? Este parece-me que vai levar mais tempo a adaptar-se a esta forma de pensar o circo. De acordo com o pensamento da Presidente do Festival Internacional de Circo, este espetáculo só faz sentido se continuar a explorar, de forma indecente e desumana, os animais que se tornaram estrelas de circo. Continuaremos a ver elefantes a serem obrigados a caminhar sobre duas patas, enquanto executam malabarismos, leões, que continuarão a enfrentar aros de fogo e a saltar por eles, cavalos a suportarem cinco ou seis artistas que cometem a proeza de se manterem de pé no seu dorso, enquanto ele cavalga, desalmadamente, por aquela pista (são essas as imagens, tristes, que guardo dos espetáculos de circo com animais…).

Nada podemos fazer contra o facto de o Circo de Monte-Carlo continuar a utilizar animais nos seus espetáculos. Isso é inegável. Mas podemos recusar-nos a aceitar que, todos os anos, passem em canal aberto este espetáculo triste, pontuado de sofrimento, ainda por cima, numa época de Natal.

Agradecimentos pós-lançamento

Escrever contos é, para mim, uma forma de evasão à realidade. É uma forma de entrar em outros mundos, em outras vidas, criando histórias em que o denominador comum é, quase sempre, o amor. É uma escrita que me exige tempo e disponibilidade mas é uma escrita que me traz, de facto, um sentimento de paz.

Assumo que quando os comecei a escrever não me passava pela cabeça compilá-los e, muito menos, lançar um livro em meu nome.

Contudo, há uns largos meses, surgiu o convite de um amigo e de uma pequena editora para publicar um livro. O pensamento voou logo para os contos que estavam ali guardados numa gaveta (ou melhor, numa “pasta de documentos” no computador). O projeto parecia-me aliciante e decidi seguir em frente. As linhas mestras para o livro foram criadas nessa altura. Escolhi os contos que queria que fizessem parte deste livro, escrevi mais uns quantos, ordenei-os de acordo com uma ordem que me fazia sentido e até escolhi a artista que iria criar a capa para o livro: Bia Vieira, a minha sobrinha. Mas, nessa altura, apresentou-se no mundo uma atriz que não era esperada – a pandemia –  e o projeto ficou encostado a um canto, esquecido.

Este ano decidi voltar ao projeto. As linhas mestras da obra estavam criadas, a capa já tinha sido criada pela minha sobrinha artista  (que me propôs a capa que hoje o livro ostenta) e comecei a pensar que seria uma pena não aproveitar esse trabalho.

E foi assim que entre dúvidas, inseguranças e incertezas, decidi seguir em frente. O resultado dessa caminhada, algo solitária, surgiu no passado dia 25 de novembro, dia em que lancei, por fim, o meu primeiro livro! Posso dizer-vos que foi um dia inesquecível!

Assumo que os medos e inseguranças foram mais que muitos. “E se tivesse de enfrentar uma sala vazia?” “E se ninguém estivesse interessado em conhecer os meus contos e as minhas gentes que os habitam?” “E se lessem e não gostassem nem um pouco da minha escrita?” “E se a pessoas que tinha convidado para fazer uma resenha crítica da obra – Professora doutora Graça Sardinha – me destruísse em público afirmando que a minha escrita era pouco mais do que infantil?”

Assumo que os nervos e as inseguranças foram muitos. Para me acalmar pensava que estaria rodeada de família e amigos, de pessoas que gostam de mim.  E tenho de assumir que, quando penso nesse dia, muito foi apagado ou esquecido. Sem o perceber, devia estar com uma carga de nervos difícil de gerir. Mas a verdade é que foi um dia muitíssimo bom. A receção ao livro foi a melhor, os meus amigos ajudaram em toda a organização e fizeram com que tudo corresse pelo melhor, a presença da minha família encheu-me o coração. Senti que aquela sala estava recheada de boas energias, todos os que ali estavam presentes estavam lá porque gostavam de mim e porque queriam adquirir a minha obra. Foi um dia lindo e um dia de muito amor. É essa a memória que tinha quando, por fim, deitei a cabeça na almofada, ainda com um sorriso de orelha a orelha.

Hoje, olho para as fotografias e percebo que a boa energia que senti não foi pura ilusão minha: vejo o sorriso do meu pai e emociono-me porque percebo o orgulho de ver as suas duas filhas a serem ouvidas pelas muitas pessoas que ocupavam aquela sala, vejo os sorrisos rasgados, vejo aqui e ali as lágrimas que pontuaram alguma emoção sentida, vejo os abraços apertados de quem se gosta genuinamente. Foi um momento lindo e que dificilmente esquecerei.

Agradeço de coração a presença de todos os que estiveram naquele auditório. Sei bem o esforço que alguns fizeram para estar ali e acompanhar-me neste meu momento!

Antes de iniciar a sessão, numa entrevista para a rádio, questionavam-me se a este livro se seguiria mais algum. Mostrei as minhas incertezas. Disse que a vontade de escrever continuava a habitar-me mas que a criação de outro livro dependeria do sucesso ou não deste livro. Hoje, posso dizer: quero muito continuar a escrever e quero muito que este seja o primeiro de muitos!

Como dizemos por cá na Covilhã, um bem haja a todos os que me fizeram sentir especial, que me fizeram sentir que valia a pena adquirir o meu livro e, acima de tudo, que vale a pena continuar a escrever!

Halloween ou Pão por Deus?

E está aí à porta mais um festejo de Halloween! Mais um 31 de outubro, mais um Dia de Bruxas, mais um dia de gritantes “Doce ou travessura?”

E sabem o que está aí à porta também? Aliás, não está à porta, já está a acontecer! A crítica ouvida uma e outra vez de que esta não é uma tradição nossa e que, como tal, devia ser veementemente refutada! Mais uma vez iremos ouvir a plenos pulmões – quer seja nas redes sociais, quer seja nas conversas tidas com pessoas várias – que a nossa tradição é a do “Pão por Deus” e que, como tal, devemos abominar esta tradição importada de países anglo-saxónicos.

Portanto, se de um lado temos as crianças e jovens que já cresceram num ambiente de celebração do Halloween, de trajar nesse dia uma fantasia mais ou menos assustadora de bruxa, zombie, esqueleto ou algo semelhante, temos, por outro lado, aqueles ligeiramente mais velhos que cresceram a pedir, de porta em porta, o “Pão por Deus”. Duas tradições à partida muito diferentes e que teriam, em princípio, raízes absolutamente contrárias.

Não sou historiadora, nem pretendo sê-lo, mas sou uma pessoa curiosa. Assim sendo, fui pesquisar qual seria a origem do Halloween. A corrente mais comum diz-nos que esta é uma festa que já conta com mais de 3000 anos. Ela surgiu com os celtas que celebravam o festival de Samhain, que tinha início no dia 31 de outubro. Comemorava-se o fim do verão e a passagem do ano celta, que tinha início no dia 1 de novembro. Era crença que neste dia os mortos se levantavam e apoderavam-se dos corpos dos vivos. Os familiares dos mortos deixavam à porta comida e bebida para receber os espíritos e deixá-los felizes.

Como o Samhain era uma comemoração  muito popular, e pagã, a Igreja, na Idade Média, começou a vê-lo com olhos de desagrado e passou a condená-lo. Foi daí que começou a surgir a expressão “Dia das Bruxas”. Ainda no decorrer desse pensamento, o papa alterou a data do Dia de Todos os Santos. O Festival Romano dos Mortos era comemorado no dia 13 de maio e passou a ser comemorado no dia 1 de novembro (data do Samhain). E o que é que resultou disto? Aquilo que sempre aconteceu: as tradições pagãs do Samhain e as tradições católicas do festival romano dos mortos misturaram-se. Se no Samhaim se oferecia comida e bebida aos mortos, no Dia de Todos os Santos manteve-se uma tradição semelhante. A de fazer oferendas aos espíritos.

Portanto, qual é a minha opinião? A raiz do Halloween e do Pão por Deus é a mesma. Nos países anglo-saxónicos andam as crianças, na noite de 31 de outubro, de porta em porta, a pedir doces. Se os doces lhes forem negados, as pessoas poderão sofrer uma travessura.

E em Portugal? Em Portugal andavam as crianças, no dia 1 de novembro, em pequenos bandos, de porta em porta, a pedir o “Pão por Deus”. Levavam o seu saquinho de pano e recebem oferendas que podem ser bolinhos, romãs, bolachas, chocolates, broas, frutos secos (guloseimas, diria eu). E repare-se no pormenor: quando chegavam a casa das pessoas recitavam pequenas orações como esta, que  cito a título de exemplo:

“Pão por Deus,

Fiel de Deus,

Bolinho no saco

Andai com Deus”.

Contudo, quando não recebiam nada ou não lhes abriam a porta, recitavam “orações” como esta:

Esta casa cheira a alho

Aqui mota um espantalho

Esta casa cheira a unto

Aqui mora algum defunto”.

Serei só eu a achar que temos aqui um pequeno gesto de “doce ou travessura?”

Relembro que não fiz uma pesquisa aprofundada sobre o assunto. Apenas quis demonstrar que, provavelmente, não existe uma diferença assim tão grande entre uma tradição e outra. E, acima de tudo, há que aceitar que estamos num mundo em que, cada vez mais as fronteiras se esbatem (com o que de bom e de mau isso pode trazer). É impossível não nos deixarmos influenciar pelas  diferentes tradições com as quais contactamos quer seja através do cinema, da literatura, das viagens que se fazem, das notícias que nos chegam. O que nos resta fazer? Numa frase um tanto ou quanto pueril diria “Aceita, que dói menos”.

Sou de opinião que devemos retirar o melhor de todas as situações. É um facto que o Halloween se instalou no nosso país  e que as nossas crianças querem festejar o Halloween, trajar algum disfarce “diabólico” e divertir-se, correndo de casa em casa e pedindo doces ou prometendo travessuras. Não podemos lutar contra isso. O que podemos fazer, sim, é falar com eles, falar-lhes do nosso “Pão por Deus”, vesti-los com a sua melhor roupa no dia 1 de novembro, e deixá-los ir, mais uma vez, de casa em casa, a pedir o Pão por Deus. No fim terão doces a duplicar! Todo um lucro!

A verdade é que, como dizia o poeta, “o mundo pula e avança”. Tudo se altera, modifica com o tempo. Temos de aceitar isso, tirar o melhor partido da situação e manter viva na memória dos meninos de amanhã as memórias e tradições dos meninos de ontem. Só isso.

“Não quero esquecer quem sou”

A proposta de hoje, publicada aqui no blogue e no Jornal Fórum, vem falar de uma doença pouco simpática, a Doença de Alzheimer.

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21 de setembro foi a data escolhida para assinalar o Dia Mundial da Doença de Alzheimer. É claro que nenhuma doença será, digamos, simpática mas esta doença, neurológica e degenerativa, é uma daquelas que me assusta muito. A sua capacidade de afetar e roubar as capacidade cognitivas, assim como, paulatinamente, a nossa memória, é algo que me assusta. Quão terrível será (para quem sofre da doença e para quem rodeia o doente) perder as nossas memórias, esquecermo-nos de quem somos e daquilo que gostamos?

Foi partindo dessa premissa que dei por mim a analisar as minhas memórias e a pensar em qual seria a memória mais importante para mim até aos dias de hoje, qual seria aquela que eu quereria manter até ao fim dos meus dias. Assumo que passaram por mim algumas imagens: a primeira vez que vi as minhas sobrinhas, aqueles momentos impagáveis em que dás uma gargalhada com a tua irmã ou aquele momento em que todas as coisas no mundo ficam no sítio certo por dares um abraço apertado às pessoas que mais gostas ou até o primeiro beijo dado a uma pessoa que consideras especial. Sinceramente, gostaria no fim da minha vida de me lembrar desses momentos que citei e de mais uns quantos em que considero que fui genuinamente feliz. Contudo…não penso que fosse capaz de escolher apenas um momento. Mas uma coisa tenho como certa: escolheria sempre um momento em que me senti muito amada, em que senti que fazia parte de uma família. Eu sei que isto é um nadinha clichê mas a verdade é que me incomoda o pensamento que um dia poderei esquecer o quanto fui e sou amada por aqueles que são importantes para mim. Até aos dias de hoje não existiram muitos casos próximos dos meus afetos que sofressem de Alzheimer (felizmente). Todos os meus avós (que já faleceram) sabiam quem eram e quem eu era na hora da morte deles. E quando penso nisso com mais afinco penso o quão importante e bom isso foi tanto para eles como para mim. A despedida, na hora do falecimento, foi dura mas a verdade é que não tive de me despedir de ninguém antes dessa hora fatídica. Considero que é isso que acontece com quem sofre de Alzheimer: vamos fazendo as despedidas, aos poucos, à medida que a doença vai roubando a memória de tudo o que é e foi, até ao dia em que apenas resta um corpo, sem as vivências e memórias que ligavam aquela pessoa à sua família.

Até aos dia de hoje convivi com dois casos (infelizmente ambos já não se encontram presentes), que sofreram dessa terrível doença. Curiosamente, ambas tias-avós. Relembro o quão triste era ver a minha tia-avó a não reconhecer o seu próprio reflexo no espelho. Olhava e dizia: “olha, a minha mãe”. A vida para ela tinha ficado lá longe, numa infância há muito perdida, em que ela ainda era uma criança que brincava com bonecas. Automaticamente, toda a sua vida ulterior foi esquecida: filhos, netos, marido, deixaram de existir. Passaram a não ser mais do que seres estranhos que insistiam em cuidar dela e que viviam perto dela sem que para isso ela encontrasse uma explicação (não que ela a procurasse). Ela apenas era uma criança, que brincava com bonecas, sempre que encontrava alguma boneca das suas netas e que apenas sobrevivia aos dias.

 No segundo caso, também um caso de uma mulher e de uma tia-avó minha, percebi que esta terrível doença lhe estava a roubar o ser, as memórias e as lembranças no dia em que a fui visitar ao lar onde residiu nos seus últimos anos de vida e, no momento em que cheguei junto dela, os seus olhos não se iluminaram. Era uma tia-avó muito próxima. Uma outra avó, no que aos meus sentimentos diz respeito. E sei bem que para ela também eu era uma das meninas dos seus olhos. E por isso me foi tão difícil perceber que a luz, tão conhecida nos seus olhos, não se acendeu, quando cheguei. Na época ainda reconhecia o meu pai (o que, assumo, também me feriu. Como poderia ela reconhecer o meu pai e não me reconhecer a mim?? É claro que isto não passava de pergunta retórica para a qual não teria explicação). Pelo que, depois de cumprimentar o meu pai me colocou a pergunta que me fez perceber que naquele dia se iniciavam as despedidas: “Quem é a senhora?” A minha tia-avó que me tinha visto crescer, eu que sempre tinha sido uma das suas meninas, não era reconhecida naquele momento. Olhou para mim como a mulher feita que já era e questionou quem era a senhora. Já lá vão uns anos desde essa pergunta. A situação foi piorando e momentos houve em que se lembrava de mim e outros não…

 A minha tia viveu os últimos dias assistindo, impávida, aos dias que passavam, perdida nos seus próprios pensamentos, sem a lembrança de que um dia eu fora uma pessoa importante para ela…

 Quando hoje, perante todos estes pensamentos, coloquei para mim mesma a questão: “Que memória gostavas de guardar para sempre?” pensei em tudo o que aqui escrevo e cresceu em mim a certeza de que o importante seria guardar para sempre a memória de quem fui,  de quem sou e em quem me tornei. Gostaria, sobretudo, de ter a certeza de que não me esquecerei daqueles que me acompanharam durante a viagem. O vazio que se instalou na vida da minha tia terá sido deveras angustiante. E partir sem as memórias que criaram ao conviver connosco é demasiado pesado para quem fica. E é isso: à questão “Que memória gostavas de guardar para sempre?” responderia: a memória de mim mesma.